A cultura sempre teve motivações fortes na cidade. Momentos de avanços e ebulição. Outras vezes, pareceu estagnada e até em retrocesso. Ciclos e ciclos. Niterói é uma cidade que tem um celeiro de artistas dos mais variados segmentos. Para além do histórico linear dos fatos, relembro algumas passagens da cultura em Niterói, há quase meio século, apenas fazendo menções a alguns prefeitos.
Ivan Barros, o prefeito pintor, durante gestão de 07/01/1972 a 15/03/1975, comemorou os 400 anos da cidade, criando a Comissão do IV Centenário, e trouxe para presidi-la o embaixador Paschoal Carlos Magno, o maior nome da cultura na época. O vice da Comissão foi Ephrem Amora, Diretor do Grupo Fluminense de Comunicação e como Secretária Geral, Hilma Borba.
Na época, o Teatro Municipal estava fechado, mas passou por uma rápida reforma para atender à programação do IV Centenário. Pela primeira vez, em sua história, o Teatro Municipal recebeu um espetáculo, “Cristo na Poesia” (autoria e direção de Mário Sousa), com o grupo ETC (Expansão Teatro e Cultura), apresentado na plateia.
Foi ainda no IV Centenário que o grupo ETC, oficial do IV Centenário, trouxe para Niterói toda a cúpula do Conservatório de Teatro do RJ (atual faculdade Unirio): os professores B.Paiva, diretor da Faculdade; Pernambuco de Oliveira; Orlando Macedo; Glorinha Bentermuller; Nely Lapor; e Barbara Heliodora. A nova geração de teatro talvez não saiba da importância desses nomes.
A Comissão do IV Centenário funcionava no INDC, Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural, que apresentou o primeiro Plano Municipal de Cultura do País.
Na época, foram realizados também O Salão Fluminense de Belas Artes e o Concurso de Piano das Américas, com as presenças da pianista Magdalena Tagliaferro e do pianista Guerra Peixe.
Após o IV Centenário, o prefeito Ivan Barros resolveu construir o Centro Cultural Paschoal Carlos Magno. Da mesma forma como aconteceu com a criação do MAC (Museu de Arte Contemporânea), alguns políticos, jornalistas e intelectuais, foram contra o Centro Cultural e também contra a homenagem a Paschoal.
O sucessor de Ivan Barros, o engenheiro Ronaldo Fabrício, foi nomeado prefeito pelo governador Faria Lima, sendo o primeiro gestor de Niterói pós-fusão, no período de 15/03/1975 a 31/01/1977. Fabricio fez uma administração com rigor técnico, na qual criou o Parque da Cidade e a Enitur, órgão de turismo.
Em seguida, Moreira Franco foi o primeiro prefeito eleito após o golpe militar de 1964, no período de 03/01/1977 a 13/04/1982, com muitas realizações na área cultural. O INDC foi extinto e criada a FAC- Fundação Arte e Cultura. Niterói também foi pioneira na construção de um sambódromo, desmontável, onde atualmente está localizado o Caminho Niemeyer. Neste local, ocorreu o melhor carnaval de todos os tempos. Na época, o escritor Jorge Amado, que esteve em Niterói, declarou que o Carnaval da cidade era o segundo melhor do País.
Moreira colocou em prática vários projetos que se destacaram: o Recontar – reunindo tradicionais e novos escritores no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno;Arraial da Praia Grande; Mostra de Teatro Infantil; 1º Festival de Ballet, coordenado por Helfany Peçanha; o “Projeto Domingo Boa Praça”, nas praças, favelas e ruas da cidade, semelhante ao atual projeto “Arte nas Ruas”. Este projeto, além de levar arte para as comunidades, debatia com os moradores os problemas locais. Outro projeto pioneiro foi “Sábado é dia de Criar”, nas escolas municipais, abertas para apresentações de atividades culturais locais e grupos convidados. Moreira trouxe Albino Pinheiro para implantar na cidade o Projeto “Seis e Meia” e depois surgiu o “Barca das 7”.
Na área de Teatro, Moreira Franco convidou a teatróloga Maria Jacintha, que criou o teatro Estável de Niterói . Na época, numa conversa com Maria Jacintha eu perguntei:
- “Por que não criar uma escola de teatro na cidade? O que você tem para nos ensinar é maior que o Teatro Estável, a exemplo do que você construiu no Teatro Duse com Paschoal Carlos Magno”, disse a ela.
Maria Jacintha respondeu: "O Teatro Estável tem a proposta de ser uma escola".
A genialidade da mestre Jacintha estava sempre à frente do seu tempo. Seu sonho e a semente que deixou até hoje são uma esperança : uma escola de teatro na cidade.
Na gestão do prefeito eleito Waldenir de Bragança, de 01/02/1983 a 03/12/1988, foram criadas as Secretarias de Cultura e Turismo da cidade e transformada a FAC- Fundação de Arte de Niterói em Funiarte. O que talvez simbolize a maior ação do prefeito na área cultural, foi a reconstrução da Praça da República, com as peças que foram abandonadas num terreno do setor de Limpeza Urbana na Ponta D`Areia.
Waldenir de Bragança inaugurou também a Casa de Cultura Norival de Freitas; criou a Cidade da Criança e o Parque Olímpico, onde foi construído o Caminho Niemeyer; criou a Banda Municipal Santa Cecília, tendo no comando o maestro José Bernardo, falecido recentemente; criou o Espaço José Cândido de Carvalho; realizou o I Seminário de Cultura; valorizou e investiu no Arraial da Praia Grande, no Teatro Estável e no Balé da Cidade.
Vale destacar que Waldenir criou a Companhia de Balé de Niterói. Porém, cada prefeito, foi refazia a Companhia com novo escopo. O prefeito seguinte, Jorge Roberto Silveira, consolidou a Companhia de Balé de Niterói, abrindo, inclusive, um concurso público, o que deu estabilidade aos diversos profissionais que atuaram na Companhia. No entanto, o principal foco que era levar espetáculos e cursos para as comunidades foi se perdendo e, na última gestão de Jorge Roberto Silveira a Companhia quase foi extinta. No último governo de Jorge Roberto, a Companhia quase foi extinta, retomada, posteriormente, pelo prefeito Rodrigo Neves, que ampliou o espaço da Companhia em caráter nacional e inaugurou uma sede para a Companhia.
O Jorge Roberto Silveira, e seu principal aliado João Sampaio, ficaram no poder quase 20 anos: Inicialmente, Jorge Roberto de 01/01/1989 a 01/01/1993. Em seguida, João Sampaio de 01/01/1993 a 01/01/1997. Jorge retorna, pela segunda vez ao poder de 01/01/1997 a 31/12/2000. E, na terceira eleição que se inicia em 01/01/2001, ele renuncia em 04/04/2002. Todo este período é marcado pela expansão da cultura num patamar internacional , em vários eixos: a recuperação dos patrimônios históricos, como foi o caso do Teatro Municipal, da Igreja de São Lourenço dos Índios, do Museu Popular Janete Costa e o Solar do Jambeiro; a criação de novos equipamentos como o Caminho Niemeyer, tendo como destaques o MAC e o Museu Popular Janete Costa. Niterói virou capital internacional da Cultura nos encontros com Cuba, Portugal, Espanha, dentre outros países. Foram criados também a Niterói Disco, a Niterói Livros e o Projeto Aprendiz.
O MAC, independente de seu acervo e das exposições que abriga, virou uma referência internacional. Atualmente, é o atrativo cultural e turístico mais visitado da cidade. Apesar da sua grande frequência, existe uma lacuna: a crítica dos artistas locais que não tem acesso a montagem de suas exposições.
Após a renúncia de Jorge Roberto ao cargo de prefeito, em 04/04/2002, assume o vice, Godofredo Pinto, que fica no poder de 04/04/2002 a 31/12/2004. Na eleição seguinte, Godofredo é eleito e governa de 01/01/2005 a 31/12/2008, dando continuidade aos projetos de Jorge Roberto: promoveu novos encontros internacionais; apoiou projetos já existentes tais como: Arte nas ruas e o Aprendiz e, no Caminho Niemeyer, inaugurou o Teatro Popular.
Logo após a gestão de Godofredo Pinto, Jorge Roberto é reeleito pela quarta vez, no período de 01/01/2009 a 31/12/2012, dando continuidade aos seus projetos do Caminho Niemeyer, do Reserva Cultural e do Museu Popular Janete Costa.
Rodrigo Neves assume o comando da Prefeitura de Niterói em 01/01/ 2013 e termina em 31/12/2020, com a cultura ganhando destaque, nacional e internacional, conquistando, praticamente, todos os melhores ranking administrativos.
Rodrigo Neves ampliou o diálogo com os artistas e produtores da cidade; promoveu Niterói com ações culturais que se tornaram referências em políticas públicas; eventos internacionais e a transformação de Niterói na cidade do Audiovisual.
Rodrigo teve a grandeza de dar continuidade ao término do Caminho Niemeyer. Reabriu, com toda logística, o Museu Popular Janete Costa; reabriu o MAC com uma cirúrgica reforma, organizando no local grandes eventos; recuperou e dinamizou o Teatro Popular; inaugurou o melhor espaço multiuso de espetáculos, a sala Nelson Pereira dos Santos; colocou Niterói no Sistema Nacional de Cultura; democratizou os espaços culturais com a implantação de editais; revitalizou o Projeto Aprendiz. Niterói passou a ser a capital da cultura no Estado.
Na sequência de prefeitos e gestores culturais, não podemos esquecer dos Secretários de Cultura e Presidentes das Fundações Culturais, com destaque para: Luiz Romêo; Anibal Bragança; Marcos Gomes; Marcos Sabino, Claudio Valério; Arthur Maia; André Diniz e Victor Wolf.
O Secretário de Cultura, Claudio Valério, com sua equipe Cristiane Suzuki e Fernanda Teixeira, realizou um belo trabalho de restauração em patrimônios da cidade.
Marcos Gomes, também Secretário de Cultura, deixou um legado e marcas produtivas de realizações em quatro gestões municipais, passando pelas principais atividades em todos segmentos da cultura, tendo como destaque a coordenação dos Encontros Internacionais.
O Presidente da FAN, Marcos Sabino, foi um esteio forte em várias épocas como artista e gestor. Deixou a marca de importantes projetos, tais como: a criação da Niterói Disco, com lançamento de mais de 30 discos; da Niterói Livros; Projeto Arte nas Ruas, dentre outros.
Sabino foi também importante no apoio à revitalização do teatro da cidade, através do Fórum de Artes Cênicas. Em 2011, os coordenadores do Fórum encaminharam a Secretaria Municipal de Cultura e ao prefeito um documento com 21 propostas. Em entrevista ao Globo Niterói, Marcos Sabino afirmou: “de fato os setores culturais foram privilegiados nos últimos anos. Mas chegou a vez do teatro da cidade ser olhado com mais carinho".
Vale destacar o Secretário de Cultura, Arthur Maia que, com sua empatia e competência, implantou cursos de Música nas favelas, ampliou o Projeto Aprendiz, inaugurou a sede da companhia de Balé da cidade e reabriu o Museu Popular Janete Costa.
André Diniz, Presidente da FAN, pesquisador e escritor, realizou uma gestão exemplar e diversificada com as inaugurações: do Reserva Cultural; da Sala Nelson Pereira dos Santos; do Complexo do Céu de Jurujuba; das reformas do MAC e do Teatro Popular; da implantação do Projeto Nacional de Audio Visual na cidade.
Ainda na gestão de Rodrigo Neves, o Secretário de Cultura, Vitor Wolf, teve destaque por ter avançado no diálogo com os segmentos artísticos , movimentos sociais e a diversidade , com um saldo bastante positivo de realizações.
Ações futuras
Com todo o potencial cultural de Niterói e as ações públicas, a cidade vive a expectativa de resgate de alguns projetos e novas iniciativas : restauração da Casa Norival de Freitas; maior diálogo com entidades como Academia Fluminense de Letras, Academia Niteroiense de Letras, Instituto Histórico, Associação Niteroiense de Escritores; Sociedade Fluminense de Fotografia; retomada do Museu da Imprensa; revisão dos editais para abrir melhores oportunidades para os artistas da cidade; ampliar o diálogo com os movimentos sociais; definir um espaço para sediar a Atacen (Associação dos Trabalhadores de Artes Cênicas),a Ane (Associação dos Escritores, Academia Niteroiense de Letras).Abrir o MAC para os artistas da cidade; ampliar o Centro Cultural Carlos Magno para os artistas da cidade; criar um Calendário para os grupos de Teatro e Música da cidade no teatro Municipal e na Sala Nelson Pereira dos Santos; promover a solenidade de entrega do prêmio do Prêmio Nacional de Jornalismo Ambiental Chico Mendes; criar mecanismos administrativos para que os pagamentos dos artistas e grupos não atrasem tanto; criar uma Coordenação de Teatro; criar a Niterói Teatro; ampliar os espaços e apoios para os artistas populares da periferia; criação de uma escola de teatro em parceria com a UFF; retomar o Projeto Encontro de Artistas de Niterói para Niterói; criar possibilidades para a cidade universitária no centro de Niterói, onde convivem cerca de 30 mil universitários.
Mário Sousa é jornalista e diretor de Teatro. Foi Diretor de Cultura, Lazer e Turismo de Niterói.