quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

 

 

Teatro Leopoldo Fróes:  das cinzas, as emoções e memórias

 

Fevereiro de 2021: um incêndio acabou com uma das maiores referências culturais de Niterói, o Teatro Leopoldo Fróes. A classe artística chora e lamenta esta perda, principalmente, os que participaram e viveram, ativamente, sonhos e realidades neste palco.

Desde que foi fechado pelo Departamento de Censura, passou a ser um centro de assistência social da Mitra Arquiodicesana. Na realidade, desde que o prédio foi doado pelo Estado para a Mitra, em 1947, o prédio sempre foi desta Instituição e com esta finalidade. O conflito com a igreja começou 19 anos depois, quando a Associação Recreativa Comércio e Navegação, do Sindicato dos Operários Navais, arrendou o prédio para construir um auditório e assumiu a direção do Teatro o metalúrgico e desenhista Albino Santos. Na época, o Teatro tinha o nome de Alvorada. As apresentações culturais e as reuniões sindicais que passaram a acontecer ali incomodavam muito à censura, por este motivo, o diretor Albino Santos foi suspenso do Estaleiro onde trabalhava e o Teatro foi fechado pelo DOPS em 1973.

Porém, ainda em 1973, o Teatro Alvorada foi reaberto somente para as atividades culturais e, passou a se chamar Teatro Leopoldo Fróes, através de uma parceria entre a Prefeitura de Niterói e o INDC (Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural). No início dos anos de 1970, e na década de 1980, o Teatro Leopoldo Fróes passou a ser o maior laboratório cultural do Estado do Rio de Janeiro, com uma explosão de atividades artísticas.  Música, dança, teatro, festivais, cursos, poesia, era uma intensa ebulição que preenchia o dia e a noite das programações. Grandes nomes se apresentaram ali tais como: Procópio Ferreira, Paulo Autran,Yoná Magalhães, Glória Menezes. Grandes festivais de teatro infantil e adulto aconteceram naquele palco, a maioria sob o comando de Sohail Saud, com a presença de Paschoal Carlos Magno,  e apoio do Jornal A Tribuna.

Na música, vários nomes se destacaram nacionalmente com o selo do Teatro Leopoldo Fróes, dentre eles: o grupo MPB 4, Zélia Duncan, Almir Satter, Zizi Possi, Dalto, Pepeu Gomes, Jards Macalé e o atual presidente da FAN, o musico Marcos Sabino.

Toda a classe de teatro se reunia e se apresentava no Teatro Leopoldo Fróes, tais como: o diretor Hipólito Heraldes, uma figura que ainda não recebeu a homenagem merecida pela sua atuação no teatro da cidade; a teatróloga Maria Lina Rabelo e o ator e diretor Marcos Hazec. Marcelo Caridade, Eduardo Roesseler, Felice Pirro, Ronaldo Mendonça, Carlos Adib, Carlos Fracho e Cristina Fracho, Ricardo Sanfer, Guga Gallo,  Leonardo Simões, Elyzio Falcato, Antonio Carlos De Caz e tantos outros. 

Mas este boom cultural foi desfeito no início da década de 1990, quando a Mitra (proprietária do imóvel) resolveu fechar o Teatro Leopoldo Fróes. Na época, aconteceram várias manifestações contra o fechamento sob o título “SOS Leopoldo Froes”. A disputa entre a Prefeitura e a Arquidiocese foi parar na justiça; porém, a batalha foi ganha pelo Arcebispo. Na ocasião, a Prefeitura poderia tornar o Teatro Leopoldo Fróes num bem público municipal, mas preferiu não contrariar a Igreja.

Na década de 1970, a censura era pesada nas artes e em todos os setores culturais. Das inúmeras intervenções policiais, a mais curiosa, foi durante a apresentação de teatro da Companhia de Zé Gamela, com uma peça sobre a vida de Cristo. Pouco antes da apresentação, os atores já prontos para entrar em cena, chegou um policial e deu uma “carteirada” para assistir à peça. O bilheteiro disse que ele não podia entrar com a carteira policial. Ocorreu uma discussão, e o policial abandonou o local, retornando a seguir com mais cinco policiais. Foi quando o bilheteiro chamou Zé Gamela, já personificado de Cristo, e disse para os policiais: “O teatro é o nosso ganha pão. Vocês só podem entrar se comprarem ingresso”. Naquele instante, o policial deu voz de prisão a Zé Gamela e a todo o elenco da peça. Não se fazendo de rogado, Zé Gamela chamou o elenco e saíram todos com os figurinos da peça, inclusive, sua mulher Dety, vestida de Nossa Senhora. Ao chegarem na Avenida Amaral Peixoto, sob o espanto da população, imediatamente, a cena ganhou pauta no maior noticiário da época, o Repórter Esso, que deu a notícia da seguinte forma: “Noticia extraordinária: acaba de ser preso, em plena Avenida Amaral Peixoto, em Niterói, Jesus Cristo e Nossa Senhora!”.

Dentre outras lembranças, tenho orgulho de ter apresentado, como ator e diretor, várias peças no Teatro Leopoldo Fróes, dentre elas, a mais marcante foi “Festival do Reencontro”, com o elenco composto apenas por pessoas em situação de moradia nas ruas (mendigos), cada um revelando sua possibilidade artística, dentre eles, um ex-artista de circo e cantor pertencente a uma família conhecida de Niterói. Alcóolatra, passou a morar na rua e depois num abrigo. Sua voz era espetacular e o convidei para abrir o espetáculo cantando Ave Maria. No entanto, antes da apresentação, ele conversou comigo e pediu: “Mario, eu não posso aparecer, pode ser que tenha alguém na plateia que me conheça, isto seria uma grande vergonha para mim”.  Na mesma hora, mudei as marcas e a iluminação, deixando-o apenas na penumbra.  Porém, logo na abertura do espetáculo, ele percebeu que a TV Globo iria filmar e me chamou novamente: “Diretor, a Globo taí, o meu sonho sempre foi aparecer na Globo cantando. Vou deixar a vergonha da família para lá. Você pode mudar a cena para eu aparecer?”.  Tive que mudar a cena novamente, colocando-o na frente do palco e com boa iluminação. A reportagem da TV começou com ele cantando Ave Maria e extraindo lágrimas de todos.

Das cinzas: as emoções e as memórias, falou emocionado o presidente da FAN, Marcos Sabino, sobre o amor e o respeito por tudo que viveu no Teatro Leopoldo Fróes.

 Mário Sousa é jornalista, escritor e diretor de Teatro

 

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