Teatro Leopoldo
Fróes: das cinzas, as emoções e memórias
Fevereiro de 2021: um incêndio
acabou com uma das maiores referências culturais de Niterói, o Teatro Leopoldo
Fróes. A classe artística chora e lamenta esta perda, principalmente, os que participaram
e viveram, ativamente, sonhos e realidades neste palco.
Desde que foi fechado pelo
Departamento de Censura, passou a ser um centro de assistência social da Mitra
Arquiodicesana. Na realidade, desde que o prédio foi doado pelo Estado para a
Mitra, em 1947, o prédio sempre foi desta Instituição e com esta finalidade. O
conflito com a igreja começou 19 anos depois, quando a Associação Recreativa
Comércio e Navegação, do Sindicato dos Operários Navais, arrendou o prédio para
construir um auditório e assumiu a direção do Teatro o metalúrgico e desenhista
Albino Santos. Na época, o Teatro tinha o nome de Alvorada. As apresentações
culturais e as reuniões sindicais que passaram a acontecer ali incomodavam
muito à censura, por este motivo, o diretor Albino Santos foi suspenso do
Estaleiro onde trabalhava e o Teatro foi fechado pelo DOPS em 1973.
Porém, ainda em 1973, o Teatro
Alvorada foi reaberto somente para as atividades culturais e, passou a se
chamar Teatro Leopoldo Fróes, através de uma parceria entre a Prefeitura de
Niterói e o INDC (Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural). No início
dos anos de 1970, e na década de 1980, o Teatro Leopoldo Fróes passou a ser o
maior laboratório cultural do Estado do Rio de Janeiro, com uma explosão de atividades
artísticas. Música, dança, teatro,
festivais, cursos, poesia, era uma intensa ebulição que preenchia o dia e a
noite das programações. Grandes nomes se apresentaram ali tais como: Procópio
Ferreira, Paulo Autran,Yoná Magalhães, Glória Menezes. Grandes festivais de
teatro infantil e adulto aconteceram naquele palco, a maioria sob o comando de
Sohail Saud, com a presença de Paschoal Carlos Magno, e apoio do Jornal A Tribuna.
Na música, vários nomes se
destacaram nacionalmente com o selo do Teatro Leopoldo Fróes, dentre eles: o
grupo MPB 4, Zélia Duncan, Almir Satter, Zizi Possi, Dalto, Pepeu Gomes, Jards
Macalé e o atual presidente da FAN, o musico Marcos Sabino.
Toda a classe de teatro se reunia
e se apresentava no Teatro Leopoldo Fróes, tais como: o diretor Hipólito
Heraldes, uma figura que ainda não recebeu a homenagem merecida pela sua
atuação no teatro da cidade; a teatróloga Maria Lina Rabelo e o ator e diretor
Marcos Hazec. Marcelo Caridade, Eduardo Roesseler, Felice Pirro, Ronaldo
Mendonça, Carlos Adib, Carlos Fracho e Cristina Fracho, Ricardo Sanfer, Guga
Gallo, Leonardo Simões, Elyzio Falcato,
Antonio Carlos De Caz e tantos outros.
Mas este boom cultural foi
desfeito no início da década de 1990, quando a Mitra (proprietária do imóvel)
resolveu fechar o Teatro Leopoldo Fróes. Na época, aconteceram várias
manifestações contra o fechamento sob o título “SOS Leopoldo Froes”. A disputa
entre a Prefeitura e a Arquidiocese foi parar na justiça; porém, a batalha foi
ganha pelo Arcebispo. Na ocasião, a Prefeitura poderia tornar o Teatro Leopoldo
Fróes num bem público municipal, mas preferiu não contrariar a Igreja.
Na década de 1970, a censura era
pesada nas artes e em todos os setores culturais. Das inúmeras intervenções
policiais, a mais curiosa, foi durante a apresentação de teatro da Companhia de
Zé Gamela, com uma peça sobre a vida de Cristo. Pouco antes da apresentação, os
atores já prontos para entrar em cena, chegou um policial e deu uma
“carteirada” para assistir à peça. O bilheteiro disse que ele não podia entrar
com a carteira policial. Ocorreu uma discussão, e o policial abandonou o local,
retornando a seguir com mais cinco policiais. Foi quando o bilheteiro chamou Zé
Gamela, já personificado de Cristo, e disse para os policiais: “O teatro é o
nosso ganha pão. Vocês só podem entrar se comprarem ingresso”. Naquele
instante, o policial deu voz de prisão a Zé Gamela e a todo o elenco da peça.
Não se fazendo de rogado, Zé Gamela chamou o elenco e saíram todos com os
figurinos da peça, inclusive, sua mulher Dety, vestida de Nossa Senhora. Ao
chegarem na Avenida Amaral Peixoto, sob o espanto da população, imediatamente,
a cena ganhou pauta no maior noticiário da época, o Repórter Esso, que deu a
notícia da seguinte forma: “Noticia extraordinária: acaba de ser preso, em
plena Avenida Amaral Peixoto, em Niterói, Jesus Cristo e Nossa Senhora!”.
Dentre outras lembranças, tenho
orgulho de ter apresentado, como ator e diretor, várias peças no Teatro
Leopoldo Fróes, dentre elas, a mais marcante foi “Festival do Reencontro”, com
o elenco composto apenas por pessoas em situação de moradia nas ruas
(mendigos), cada um revelando sua possibilidade artística, dentre eles, um
ex-artista de circo e cantor pertencente a uma família conhecida de Niterói.
Alcóolatra, passou a morar na rua e depois num abrigo. Sua voz era espetacular
e o convidei para abrir o espetáculo cantando Ave Maria. No entanto, antes da
apresentação, ele conversou comigo e pediu: “Mario, eu não posso aparecer, pode
ser que tenha alguém na plateia que me conheça, isto seria uma grande vergonha
para mim”. Na mesma hora, mudei as
marcas e a iluminação, deixando-o apenas na penumbra. Porém, logo na abertura do espetáculo, ele
percebeu que a TV Globo iria filmar e me chamou novamente: “Diretor, a Globo
taí, o meu sonho sempre foi aparecer na Globo cantando. Vou deixar a vergonha
da família para lá. Você pode mudar a cena para eu aparecer?”. Tive que mudar a cena novamente, colocando-o
na frente do palco e com boa iluminação. A reportagem da TV começou com ele
cantando Ave Maria e extraindo lágrimas de todos.
Das cinzas: as emoções e as
memórias, falou emocionado o presidente da FAN, Marcos Sabino, sobre o amor e o
respeito por tudo que viveu no Teatro Leopoldo Fróes.
Mário Sousa é jornalista, escritor e diretor
de Teatro
--
Nenhum comentário:
Postar um comentário